Cristiano Ribeiro: O estretor do império I

a opinião de Cristiano Ribeiro
A cuspidela da serpente
A USAid (Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional) tem uma face de assistência económica e ajuda humanitária que se estende por cerca de 120 países de África, Ásia, Oriente Médio, Leste da Europa e América Latina. São cerca de 10.000 profissionais, com 2/3 deles a trabalhar no exterior e um orçamento de 40 mil milhões de dólares anuais, pago pelos contribuintes. As áreas oficiais de interesse da Agência vão de operações de remoção de minas em todo o mundo, ao combate à propagação de doenças como o HIV, promoção da educação e saúde infantil, apoio a refugiados, crianças órfãs e mulheres vítimas de violência, no acesso a água potável, na proteção dos direitos das mulheres, na ajuda humanitária após catástrofes, na distribuição de vacinas e em iniciativas de desenvolvimento económico local, incluindo aqui projectos de desenvolvimento agrícola. São muito significativos e louváveis estes investimentos.
Mas a outra face, mais oculta, da USAid tem sido por exemplo o tipo de “ajuda” que mina, destrói e condiciona o desenvolvimento de países, como no Haiti, pós terramoto de 2010. No “bolo” do investimento da USAid substituiu-se a necessária ajuda aos governos e estruturas locais (com cerca de 1%) pelo financiamento de milhares de ONGs e dos privados (restantes 99%), promotoras da ideologia do “livre comércio” e de relações desiguais. A aposta assim é de “Estados falhados” porque esvaídos dos seus recursos, esmagados por dívidas históricas, impostas à lei da chantagem a juros impossíveis.
Outro exemplo: A USAID investiu quase 500 mil milhões de dólares em “financiamento secreto” (palavra-chave) da ONG “Internews Network”, que formou mais de 9 mil jornalistas e colaborou com mais de 4 mil plataformas de media, que chegaram até 778 milhões de pessoas. Segundo a organização Repórteres Sem Fronteiras, em 2023, a USAID financiou 6.200 jornalistas, 707 meios não-estatais (fora os estatais, já agora), 279 ONGs de media, em mais de 30 países. O “jornalismo” made in USAid acompanha a exportação do “modelo de democracia” com intenções de domínio, interferência em golpes, sondagens, fraudes eleitorais, campanhas. Os exemplos e números são conhecidos: Venezuela (32 mil milhões dólares em uma década), Geórgia (26 milhões de dólares em recente acto eleitoral), Sérvia (2 a 3 mil milões de dólares).
Trump decidiu congelar quase totalmente a assistência externa dos EUA. É aparentemente uma América voltada para dentro, isolacionista. Elon Musk, o guru da extrema-direita à frente do Departamento de Eficiência Governamental, manifestou mesmo a intenção de desmantelar a USAid, considerou-a (e cito) “uma organização criminosa” e quer integrá-la no Departamento do Estado.