Segundo contam as histórias antigas, na Índia Maior havia um Rei que gostava deveras dos sábios e que os levava sempre consigo fazendo-os raciocinar muito frequentemente sobre os factos que nascem das coisas. E, dentre estes, havia três que tinham opiniões diferentes. Um disse que mais valia a inteligência do que a sorte, porque quem vive com base na inteligência faz as suas coisas de uma forma metódica e, ainda que perca, não é culpado porque fez o que convinha. O outro disse que mais valia a sorte do que a inteligência, porque, se o seu destino fosse perder ou ganhar, nenhuma inteligência que tivesse o poderia evitar. O terceiro disse que o melhor era poder viver com base numa e noutra, porque isso era prudência, porque quanto maior fosse a inteligência mais cuidado se poderia ter de modo a fazer as coisas de modo tão completo quanto possível, e também que quanto mais se dependesse da sorte, maior seria o risco incorrido, porque esta não é uma coisa certa; mas a verdadeira prudência consiste em aproveitar da inteligência aquilo que cada homem sabe ser-lhe mais vantajoso, e em proteger-se tanto quanto possí- vel dos danos da sorte, e em aproveitar dela tudo o que estiver a seu favor. E depois de exporem muito zelosamente as suas razões, o Rei ordenou que cada um apresentasse um exemplo para provar o que dissera e concedeu-lhes o prazo que pediram. E os sábios foram-se embora e cada um consultou os seus livros de modo a comprovar a sua opinião. E quando chegou o momento, cada um deles apresentou-se perante o Rei com a sua prova. E aquele cuja opinião era a inteligência levou o xadrez com as sua peças, mostrando que quem tinha mais inteligência e era perspicaz poderia vencer o outro. E o segundo, cuja opinião era a sorte, levou os dados, mostrando que a inteligência não servia para nada se não fosse acompanhada pela sorte, porque parecia que era através da sorte que os homens ficavam e m v a n t a g e m o u e m desvantagem. O terceiro que disse que o melhor era aproveitar o melhor das duas, levou o tabuleiro com as suas tábulas, contadas e colocadas ordenadamente nas suas casas, e os seus dados, que ordenavam os movimentos a fim de se poder jogar, no jogo que era o Gamão, que mostrava que quem o sabe jogar bem, ainda que a sorte dos dados lhe seja adversa, com a sua prudência será capaz de mover as tá- bulas de modo a evitar os danos que o lançamento dos dados lhe pode trazer. Assim demonstrou Afonso X, o sábio, que a Vida não é mais do que um Jogo, em que não basta a sorte, se não houver Inteligência para a aproveitar.