SOBRE FUTEBOL
Juvenal Brandão, Treinador de Futebol UEFA Pro (Grau IV), Licenciado em Gestão de Desporto
É um assunto amplamente discutido, já há muitos anos. O que deve ser o futebol de formação? O que se deve priorizar? De que forma avaliar? Quem deve avaliar? Quais as competências de quem ensina? Para onde nos levam? Estas são algumas das muitas que se podem fazer quando falamos de futebol de formação.
Por estar desde sempre ligado ao futebol de formação, é impossível que me dissocie dele. Já fui coordenador. Já liderei um departamento de scouting. Já fui treinador principal e adjunto. Já treinei Escolinhas, Infantis, Iniciados, Juvenis e Juniores. Em campeonatos distritais e nacionais. Já passei por tudo. Ou melhor, quase tudo.
No futebol de formação, a maior parte das vezes, o que temos é futebol de rendimento com jovens. O que é um absurdo. Quer-se ganhar de qualquer maneira, quer-se ser campeão a todo custo, quer-se tratar os jovens como adultos e esquece-se do mais importante.
Poucas ou nenhumas vezes se vê a ensinar futebol. E a ensinar comportamentos sociais. Sim, sou daqueles que não acha que futebol é só futebol. Futebol de formação é muito mais do que só futebol.
Raras vezes se vê a ensinar princípios básicos da modalidade: a passar e a receber – o mais importante no futebol; mas também a lançar, a rematar e a cruzar. Só depois, anos depois, é que devem vir os posicionamentos, as tácticas, as estratégias e as bolas paradas, por exemplo. Há muito tempo para isso. Mas primeiro precisamos de crianças que dominem o essencial. E sem esquecer as regras e comportamentos sociais, desde o primeiro dia que entrem no futebol. Os pais educam, mas o futebol também tem de ter esta componente. Devemos formar para o futebol, mas para a vida também. Não só mas também porque talvez cerca de 1% dos jovens que praticam futebol serão profissionais e cerca de 10% continuam a jogar futebol, semi-profissional ou amador.
Os jovens têm de perceber desde cedo a exigência do futebol de alto nível e se estão ou não preparados para se privarem de muitas coisas que serão incompatíveis com ele. Não podem é andar iludidos durante anos e depois levarem um choque e ficarem com as expectativas totalmente defraudadas. No percurso formativo no futebol tem de haver esta constante mensagem do que é a realidade do futebol sénior.
Para que tudo corra dentro do que falei há muita coisa importante. Em último lugar na pirâmide, os treinadores, porque se tudo o resto falhar, mas se o treinador for um bom formador, o ensino/aprendizagem vai ocorrer – os jovens vão dominar a modalidade e adquirir comportamentos sociais. E fiquemo-nos por aqui – pelos treinadores. Os restantes elementos da estrutura, que são muito importantes também, ficam para futura análise.
E que critérios deve haver na escolha dos treinadores? Ex-jogadores? Licenciados em desporto e educação física? Jovens? Menos jovens? Deve haver limite mínimo de idade para se ser treinador? Os “melhores” treinadores devem estar nos escalões mais velhos? Porque normalmente a maior parte dos treinadores quer treinar os juniores? De que forma se deve levar em conta a ambição dos treinadores em fazerem carreira? Como devem ser avaliados os treinadores? E por quem? Os treinadores devem acompanhar os mesmos jogadores ao longo da formação?
Muitas perguntas para respostas de muitos gostos e feitios. Haverá receitas mágicas? O que funciona num clube, funcionará de igual forma noutro?
Independentemente de tudo, a mim o que me parece óbvio é que quem quer ter jogadores de qualidade no futebol sénior, tem de ter bons treinadores. Muito bons treinadores. É disso que o futebol de formação precisa. Resta definir o que é isso de “muito bons treinadores”. Para mim é: alguém com conhecimento do futebol, que domine os princípios da modalidade, que tenha competências sociais e humanas, sendo um exemplo, para passar valores, com experiência, que tenha passado por diferentes contextos, com mística, que conheça o clube, que defenda o projecto, que não queira andar no futebol de formação para se promover e chegar aos seniores, que tenha gosto por se dedicar a uma causa que não dá grande visibilidade e se a der, é passados alguns anos. Como é difícil ter tudo isto numa só pessoa, a complementaridade dos elementos da equipa técnica poderá dar óptimo resultado.
Feliz 2020!